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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Catador de material reciclável: uma profissão para além da sobrevivência?



A reciclagem de lixo urbano figura como atividade emergente após movimentos ambientalistas e de preservação ambiental. Embora gere vantagens ambientais indiscutíveis, sobressaem os aspectos econômicos. A catação de materiais recicláveis constitui, para muitos trabalhadores, única forma de garantir a sobrevivência e possibilidade de inclusão num mercado de trabalho excludente.

Entende-se que o trabalho ocupa um lugar central na vida de quem o realiza. Para tanto, são enfocados dois fatores: o fato de ele ser um meio de sobrevivência e o tempo de vida a ele dedicado. O trabalho, além de ser um meio de subsistência, também é um meio de integração social, pois possibilita o relacionamento entre pessoas, a inclusão social e o sentimento de pertencer a um grupo. Assim, o trabalho significa para o trabalhador uma forma de afirmar sua identidade por meio de atribuições individuais inseridas por ele na realização da tarefa.

No Brasil, estima-se que o número de catadores de materiais recicláveis seja de aproximadamente 500.000 (quinhentos mil).

Os catadores catam e separam do lixo o material reciclável numa quantidade que seja suficiente para vender. O comércio dos materiais recicláveis entre os catadores e as empresas de reciclagem geralmente passa pela mediação dos atravessadores, chamados de sucateiros.

Esses intermediários, os sucateiros, recebem o material coletado pelos catadores, pesam e estabelecem o preço a ser pago pelos catadores. Em seus depósitos, os sucateiros vão acumulando os materiais, até conseguirem uma quantidade que viabilize o transporte para as indústrias de reciclagem.

Os catadores geralmente desconhecem completamente os aspectos que envolvem a logística do processo de reciclagem, desconhecimento muitas vezes atribuído ao baixo grau de escolaridade. O pouco conhecimento do circuito de reciclagem é um forte impedimento para que os catadores obtenham ganhos melhores nessa atividade.

A existência dos atravessadores podem ser explicada por dois fatores principais: primeiro, pela “dificuldade de locomoção” dos catadores de lixo para entregar o material nas indústrias de reciclagem e, segundo, pelas vantagens que esse sistema oferece às indústrias.

Dessa forma, o catador de material reciclável participa como elemento base de um processo produtivo bastante lucrativo, no entanto, paradoxalmente, trabalha em condições precárias, subumanas e não obtém ganho que lhe assegure uma sobrevivência digna.

Relaciona-se o crescimento do número de trabalhadores de materiais recicláveis com as crescentes exigências do mercado formal de trabalho.

Embora seja tal como a atividade de vendedor ambulante, realizada informalmente, a partir da década de 1980, os catadores começaram a se organizar em cooperativas ou associações, na busca pelo reconhecimento dessa atividade como profissão. Nos anos 1990, com o apoio de instituições não governamentais, foram promovidos encontros e reuniões em vários locais do país com essa finalidade. Novos parceiros foram incorporados, e o ano de 2001 culminou com a realização do “1º Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis e a 1ª Marcha da População de Rua”. Com o fortalecimento dessas manifestações, criou-se o movimento nacional de catadores.

Dessa forma, os catadores estão construindo sua história e demarcando sua área de atuação, conquistando também seu reconhecimento como categoria profissional, oficializada na CBO – Classificação Brasileira de Ocupações, no ano de 2002.

Nessa classificação, os catadores de lixo são registrados pelo número 5192-05 e sua ocupação é descrita como catador de material reciclável. Segundo a descrição sumária de suas atividades na CBO, os catadores “catam, selecionam e vendem materiais recicláveis como papel, papelão e vidro, bem como materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais re-aproveitáveis”.

O problema hoje não está em reconhecer legalmente o catador como um profissional, mas sim, em reconhecer seu direito às condições dignas de trabalho e de vida para além da perspectiva estrita da sobrevivência.

Para que a sociedade perceba o catador como “um outro trabalhador qualquer” é preciso associar o trabalho de catação a significados positivos.

O caráter excludente do trabalho do catador está relacionado com a semântica negativa do lixo, e esta situação interfere tanto na identificação do catador com o seu trabalho como no reconhecimento da sociedade pelo trabalho desempenhado pelo catador.

Sob o ponto de vista psicossocial, tornar-se catador é sentido como fonte de dignidade e modo legítimo de obter renda. Contudo, a inclusão desses catadores ocorre de forma perversa. Dessa forma, pode-se inferir que o catador de materiais recicláveis é incluído ao ter um trabalho, mas excluído pelo tipo de trabalho que realiza.

O fato dos catadores constarem na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO – poderia ser um indicativo que apontasse para o resgate da dignidade desses trabalhadores, inserindo-os no âmbito das políticas públicas.

Porém, o que se observa é uma condição oposta, na qual o trabalhado da catação é quase sempre desfavorável ao trabalhador. O trabalhador catador é exposto a riscos à saúde, a preconceitos sociais e à desregulamentação dos direitos trabalhistas, condições que são extremamente precárias, tanto na informalidade de trabalho, quanto na remuneração. Além disso, os catadores não tem acesso à educação e ao aprimoramento técnico.

Paradoxalmente, mesmo ocorrendo nas condições demonstradas, a catação possibilita a sobrevivência de muitos trabalhadores. Lentamente, os catadores buscam se organizar em cooperativas e associações, visando melhores condições de trabalho.

As cooperativas de reciclagem de lixo são recentes no Brasil. Uma cooperativa de catadores pode desenvolver diferentes ações, visando enfrentar fatores que interferem no processo de negociação de materiais recicláveis, possibilitando competitividade através do aumento de oferta de matérias recicláveis num volume maior que garanta negociação de preços.

O também destaca-se as seguintes vantagens da cooperativa: evitar depender de um único comprador; vender cargas “fechadas” por um preço médio; estocar – os materiais podem ser armazenados por períodos mais longos, se o galpão de triagem dispuser de espaço e houver capital de giro.

O objetivo central de uma cooperativa de catadores de material reciclável é gerar oportunidades de trabalho e renda. Das vantagens econômicas advindas da organização em cooperativas de trabalho, apresenta-se o fato de os catadores conseguirem um valor mais alto pelo produto em melhores condições de limpeza e classificação e barateiam o transporte, prensando as cargas.

A organização do trabalho dos catadores em cooperativas é elemento fundamental para se obter melhores condições para a venda direta e, consequentemente, a obtenção de melhores preços.

Dentre as alternativas de tratamento para o lixo urbano, a reciclagem configura-se como importante elemento, pois possibilita o reaproveitamento de materiais descartados novamente ao circuito produtivo e traz benefícios ambientais através da economia de recursos naturais, energia e água. Além do inquestionável aspecto ambiental, a reciclagem possibilita ganhos sociais ao absorver no seu circuito produtivo os catadores de materiais recicláveis.

Esses trabalhadores desempenham um papel preponderante para o processo de reciclagem, pois, atualmente, o fruto de seu trabalho é ponto de partida para o abastecimento, com matérias-primas, da indústria de reciclagem.







 Fonte: Medeiros, L.F.R.; Macedo, K.B."Catador de material recicável: uma profissão para além da sobrevivência?"; Psicologia & Sociedade; 18 (2):62-71; mai./ago.2006

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